Nesse relato de experiência, Terezinha contará, por meio de dois textos produzidos por ela, duas situações que despertaram reflexões super importantes acerca da inclusão e de como é preciso ter coragem, vontade e intenção de fazer junto para que uma escola inclusiva seja potente. 

Terezinha é professora do 2o ano e do 4o ano da EMEF João da Silva, escola pertencente à Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, que atende 973 crianças no Grajaú. Ela iniciou seu trabalho na escola em 2017 e desde o início da Rede de Escolas Municipais pela Inclusão nos mostra seu encantamento como professora, apesar de todos os desafios. Terezinha nos conta que , desde que está nessa escola, sente que está lá para realizar um trabalho maior com as crianças e que sabe que não há receita para lidar com as práticas inclusivas mas que devem ser encaradas como uma aprendizagem. Falou também que é necessário despertar o interesse para lidar com a diversidade, bem como estar aberta a lidar com seus desafios. 

 O primeiro relato trata da intencionalidade em fazer a construção de uma rede de acesso às crianças pode tornar a escola mais inclusiva. Na EMEF João da Silva esse contato era feito com a ajuda do Facebook e de cartazes no portão da escola. A professora pediu autorização da diretora para entrar em contato com duas crianças via WhatsApp e, a partir disso, fez um lindo trabalho de rede ampliando o acesso das crianças às atividades, incluindo um número maior de alunos. 

Na pandemia, a inclusão digital tornou o acesso às propostas pedagógicas mais desafiador. A exclusão aumentou já que muitos alunos não tinham acesso às plataformas, outros não conseguiram se adaptar ao meio digital e outros tinham desafios sociais ainda maiores (como falta de alimento) que impediam uma entrega para a escola. O primeiro relato mostra como uma ação intencional reverbera e amplia uma prática educacional inclusiva:

Um mais um é sempre mais que dois!!!

Nunca essa expressão fez tanto sentido para mim como nessa pandemia.

Dia 21 de março foi o último dia das atividades presenciais na escola, mas os alunos já tinham deixado de frequentar as aulas desde a semana anterior com o sentimento de breve retorno presencial.

Iniciamos o recesso e com ele um alívio de não precisar se expor ao vírus e ao mesmo tempo uma preocupação com a situação de vulnerabilidade que os alunos estavam enfrentando diariamente tomou conta de mim.

Os dias que sucederam proporcionaram um descanso para o corpo, aproveitei o tempo para uma organização interna. Comecei a pensar em como cuidar do outro, usei o telefone celular para contatar as pessoas do meu convívio diário, mas um pensamento não me deixava ordenar as ideias e surgiram vários questionamentos em relação às crianças.

Como estão se protegendo? Será que têm alimentos? Eram tantas questões…

O recesso acabou e com ele vieram as aulas remotas.

Preparar aulas para publicar na plataforma passou a preencher os dias e depois era só esperar.

Por que esperávamos tanto? Ninguém aparecia ou visualizava as atividades na plataforma Google Sala de Aula.

A escola  fazia uma divulgação na página do Facebook  e colocava cartazes informativos nos portões, mas nada acontecia, nenhuma novidade.

Então pedi a autorização à diretora da escola para que  pudesse entrar em contato com as duas estudantes (Emilly e a Lavínia), via Whatsapp, visto que eu já tinha o número do celular de suas famílias. Falei com as mães delas e a partir daí formei uma rede de comunicação entre 18 estudantes.

Em seguida, fui orientando-as a entrar na plataforma e começamos a trabalhar, a interagir.

Essa mobilização durou umas duas semanas aproximadamente e foi muito boa porque eu consegui ficar próxima dos alunos, que por sua vez, também  recuperaram os amigos. Demonstraram muita alegria mesmo. Criei um grupo de WhatsApp onde eu falava “bom dia” e interagia diariamente. E seguimos até agora.

Nesse caminho, chegaram as cestas básicas na escola para um número bem reduzido de estudantes e  coloquei o anúncio na plataforma conforme orientado pela direção da escola.

Uma aluna que não fora contemplada, me mandou uma mensagem perguntando se não tinha vindo mesmo cesta básica para ela. Respondi que não, mas confesso que isso me preocupou bastante, logo após ouvir o áudio dela com um simples e rápido ”tá bom” . No dia seguinte, eu perguntei se ela estava precisando de cesta básica e ela respondeu que sim, pois a mãe ainda não tinha voltado a trabalhar. Isso foi no dia 22 de agosto.

Me organizei, fui ao mercado, fiz uma compra de alimentos, produtos de limpeza e itens de higiene pessoal e levei para ela. Foram 38 km de distância, percorridos numa tarde fria e congelante  de domingo, mas regada com muita gratidão. Os dias seguiram…

No segundo texto, ela nos conta um pouco dos desafios de incluir as crianças no mundo letrado e como foi possível fazer um trabalho potente mesmo em meio a tantos desafios. Incluir não é apenas mexer nos espaços da escola, nem flexibilizar uma atividade, mas é também oferecer oportunidade de visibilidade e alegria aos alunos. Aproveitem a leitura:

 Produzindo bons textos!

Ao visitar a página da Secretaria Municipal de Educação no Facebook, vi a divulgação de um concurso no qual os alunos poderiam participar de escritas de final de contos.

Li os critérios, pedi a anuência da diretora da EMEF e parti em busca dos meus escritores.

Primeiramente eu divulguei no grupo da turma do 4º ano. Apenas duas alunas se interessaram, a Vitória e a Stella.

O próximo passo foi elas pedirem autorização para os responsáveis. Fui encaminhando com elas as regras.

Procurei contatar individualmente as outras crianças e consegui mobilizar um grupo com oito escritores no total.

Fiz a explicação de como ocorreria o concurso e eles sugeriram contos diversificados, mas propus algumas questões como essa, por exemplo:

“Chapeuzinho Vermelho já tem tantas versões… será que teremos chance?”

Depois de discutirmos, eu sugeri um conto “ O ganso de ouro” que constava no livro Trilhas de Aprendizagens.

Eles gostaram da ideia. Construímos um roteiro e começamos a trabalhar.

A primeira coisa a fazer foi cada um reler o conto e pensar num final diferente.

Faziam as escritas, fotografavam e enviavam para mim. Eu fazia as intervenções como pedir para relerem o trecho, verificarem como escreviam nomes próprios, as repetições de palavras na mesma frase etc.

Nenhum participante tomou conhecimento do texto do outro.

Enquanto isso, conversei com as famílias para que assinassem a autorização para a participação dos filhos. Foi uma mobilização grande. Procurei ordenar os documentos para que pudessem preencher as autorizações e assinarem  as declarações no mesmo dia em que fossem retirar o livro Trilhas de Aprendizagens 2. Deu certo!

Os funcionários da secretaria me ajudaram muito também. Eles escanearam os documentos que os pais foram assinar e as fichas com direito de imagem e me encaminharam por e-mail.

Com todo o material nas mãos, digo no computador, comecei a digitação dos textos e fui organizando as pastas individuais com os documentos e textos.

Após esse momento, enviei os documentos para a diretora assinar e aguardei o retorno.

A aluna Maria Eduarda estava muito confiante e queria saber se estava dando tudo certo para o envio dos arquivos. Ela acompanhou on-line, até 23h20, que foi a hora que conseguiu enviar os arquivos zipados para a diretora encaminhar  à Secretaria Municipal de Educação.

Teve quem quis desistir, mas deu tudo certo no final!

Obs.¹: Zipar arquivos foi muito desafiador para mim, mas consegui!

Obs.²: Os pais se empenharam demais nessa ação, muitos tiveram que sair do serviço e ir até a escola levar documentos que faltavam nos arquivos.

E o mais gratificante de tudo isso foi receber o e-mail da SME nos parabenizando pelo trabalho e pelos textos escolhidos, da Maria Eduarda e da Emilly.

Agora estamos aguardando os exemplares do livro com os contos.

As ações positivas desse movimento foram:

• Conseguir ter o envolvimento e o engajamento das famílias, dos estudantes e dos funcionários.

• Saber que mesmo à distância as intervenções nas produções foram feitas e deram certo.

• Promover o nome da EMEF João da Silva numa premiação de tal importância.

• Ter os nomes das autoras dos textos no livro “ANTOLOGIA DE CONTOS DO ENSINO FUNDAMENTAL” com o gênero literário “Final de Conto”.

Relato por Terezinha Aparecida Conceição

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